Sem Título


Escolha um emprego. Escolha um carro. Escolha uma esposa. Escolha uma vida. E depois, resigne-se. É a vida, feita de escolhas, e consequências. Um passo aqui para uma efeito lá. Pode parecer estimulante. Pode parecer desafiador. Ou, às vezes, deprimente. Ele decidiu não escolher coisa alguma. E esta foi a sua escolha. Sem razões definidas, sem explicações aparentes. Ele não precisava de escolhas para ser feliz. E não precisava ser feliz para continuar vivendo.

Autodenominava-se O Homem Invisível. Mas não era invisível. Pior ainda, nem era. Só existia porque estava consciente de sua existência. Mas, em um dado momento, chegou a se questionar: existia realmente? Fazia parte de um plano? Integrava um todo? E se fosse apenas o personagem de um livro? Ou, pior, o personagem de uma crônica postada num blog medíocre de um pseudo-escritor?

A vida continuava como um marasmo de cores nada vibrantes. Posto póstumo, um vazio lancinante lhe devorando a alma corrompida. Um emprego medíocre em um escritório qualquer. Sem família, sem raios de sol, sem perspectivas. Tão somente, ratos e restos.

Questionava-se, dia após dia, cada vez mais. Era real? Era músculos e vértebras, ou apenas rabiscos num papel?

Começou a olhar ao redor com desconfiança. Qualquer coisa poderia lhe indicar a natureza de tudo aquilo: realidade, ou apenas produto da mente de um lunático? Os detalhes denunciariam mentiras e verdades. E os detalhes mostraram, afinal, vez após vez, que tudo era irreal. Apenas esboços mal definidos publicados em algum canto.

Insatisfeito com seu rumo, decidiu ir atrás do seu autor. Do homem mal-humorado que lhe privava alegrias ou ao menos vicissitudes. Por que uma vida tão enfadonha? Por que nenhuma fragrância, nenhuma partícula ígnea de bem-estar? Não, ao contrário, sempre o opróbrio, o tédio de uma vida sem vida. Ar, onde fostes parar?

Na busca, alimentado pelos pensamentos inquietantes, logo o Homem Invisível estava dominado pelo ódio. Perdera o controle. Escapara das direções estabelecidas pelo seu autor. Improvisava. Agia por conta, sem dar-se um sentido. E começou a ganhar forma. Cheiro. Cor. Logo, visibilizou-se. Um ser atuante e perceptível.

Agora, figura existente, poderia se vingar daquele que o trancafiou num mundo sem perspectivas. O Homem Ex-Invisível só precisava de uma faca e um pouco de tempo para encontrar seu autor, seu facínora sem coração, e realizar sua vingança.

Encontrou-o numa quinta-feira, 19 de Julho, o pseudo-escritor distraído em seu computador, escrevendo mais um post sobre seu personagem desalentado. Ainda nem havia dado título ao post. Mas parecia rir. Ria da vida funesta com que fustigava o pobre coitado, personagem seu, criatura sua. Aproximou-se por trás do autor, sem ser percebido, salivando vingança, execrando os textos que integrara, suor e raiva pelos poros.

Ergueu a faca, e antes que o autor terminasse a frase…

Do Blog Literatura Corrosiva

 

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